Negra, trans e periférica: Tadáskía, sensação da 35ª Bienal de São Paulo, conta sobre seus sonhos e voos artísticos em entrevista à Casa Vogue
A jovem artista carioca se utiliza de técnicas, materiais e suportes múltiplos para representar seus sonhos e dedicar seu trabalho às mulheres negras e às pessoas trans
Tadáskía posa em frente à obra O Amanhecer I (2021), de carvão, grafite e lápis de cor sobre papel
_ Foto: Ruy Teixeira
Tadáskía, jovem artista carioca, que vem despontando no cenário das artes, está na seção Arte de Casa Vogue de abril. À revista, ela conta que desde pequena sonhava em ser um cavalo alado. Da infância para cá, Tadáskía criou asas para voar: aos 30 anos, participa da última edição da Bienal de São Paulo (que, atualmente, está em cartaz em Curitiba, no Museu Oscar Niemeyer, resultado de um projeto de itinerância), completa seis meses de representação por uma das principais galerias do país, a Fortes D’Aloia & Gabriel, e segue fabulando um futuro de voos – literais e simbólicos – internacionais.
Com uma obra marcada pela profunda afinidade com o desenho, a jovem artista em rápida ascensão se utiliza de técnicas, materiais e suportes múltiplos, e por vezes improváveis. De pastel seco a esmalte de unha, de esculturas de taboa a vídeos e fotografia, de conteúdo pictórico a escrita, a produção de Tadáskía não aponta para uma leitura fácil. A ambiguidade feminina e masculina de seu corpo de trabalho é inerente à sua existência trans.
Originária de Santíssimo, bairro no subúrbio carioca, e criada no seio da Igreja Pentecostal, o primeiro contato com os contos de fadas foi ainda criança, quando, internada no hospital, uma palhaça lhe apresentou as fábulas de Jean de La Fontaine. Pouco depois, ela começa a se dedicar à escrita, atividade que acompanha e atravessa sua vida e prática artística desde os 14 anos. Hoje, seus chamados “textos poéticos” integram a obra apresentada na mostra internacional, que em sua passagem pela capital paulista levou o título Ave Preta Mística Mystical Black Bird, e em sua itinerância curitibana se desdobra em Lua Coelho Negra Moon Black Rabbit.
Na mesma linha, um terceiro e inédito corpo de trabalho já está em curso: Centopeia Carnaval. Comum a ambas as instalações apresentadas nas mostras da Bienal é a explosão de cores dos desenhos traçados ora de olhos abertos, ora fechados, nem abstratos nem figurativos, oriundos de um lugar no limiar entre material e imaterial. Dentro do casulo colorido do espaço expositivo, as folhas de bordas rasgadas dispostas nas paredes carregam frases bilíngues. São linhas das Fábulas de Tadáskía, que ela vislumbra reunir em uma única publicação. “Estou só esperando um editor me convidar”, diverte-se.
Entre a longínqua hospitalização e o atual destaque na Bienal, a pista de decolagem de Tadáskía percorre caminhos férteis: à licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) soma um mestrado em Educação pela mesma instituição; trabalhando no educativo do Museu de Arte do Rio (MAR), teve a oportunidade de criar com taboa retirada de uma desmontagem – material que se tornaria marcante em sua produção. O ponto de virada foi o Parque Lage, onde entrou como bolsista em 2019 e atraiu o olhar de Maria Monteiro, da Sé Galeria, que logo lhe ofereceu uma representação. Os motores se aqueceram, Tadáskía estava pronta para decolar. Após a primeira exposição individual na galeria paulistana em 2022, se sucederam, no ano seguinte, mais duas mostras solo, agora em espaços além-mar: Galeria Joan Prats, em Barcelona, seu primeiro voo internacional, e Madragoa, em Lisboa.
O cavalo alado – que hoje se identifica com o “unicórnio preto” da pensadora afro-americana Audre Lorde, autora de Irmã Outsider (Autêntica, 2019), importante referência para o trabalho Ave Preta Mística – alçou voo até aterrissar na mais importante exposição da América Latina em 2023. Para participar de um evento do porte da Bienal, a artista não só se mudou do Rio de Janeiro para São Paulo como precisou encontrar um ateliê.
“As coisas vão acontecendo e vou abraçando as oportunidades. E agora estou em um momento em que não estava antes, sabe. Podendo escolher.” Essa liberdade de escolha é revolucionária para uma mulher trans, negra e periférica que, alguns anos atrás, articulava a campanha EAV Para Todes, visando arrecadar fundos para ela e outros artistas estudarem no Parque Lage. Mesmo que não se veja representada nos espaços onde atua – “Ainda somos poucas, somos figuras estranhas nesse cenário”, pontua –, Tadáskía reafirma a importância de se permitir errar, correr riscos e seguir fantasiando.
Confira o conteúdo completo da reportagem na edição de Casa Vogue de abril, disponível em versão digital e nas melhores bancas do país.