Projeto Eu Sou Muitas lança podcast no Spotify com série de entrevistas sobre violência doméstica e de gênero, questionando os silenciamentos que acompanham este tipo de violência
Série de entrevistas idealizada pela artista e professora aborda a violência que permeia as relações femininas na sociedade por meio de tabus, abusos e como as mulheres performam suas vivências a partir dessas agressões;
Com realização do Centro Cultural São Paulo, episódios semanais reúnem pensamentos e depoimentos de ativistas, psiquiatras, psicoterapeutas, psicanalistas, artistas, profissionais da saúde, líderes comunitárias, advogadas e especialistas na Lei Maria da Penha;
Com sensibilidade, os relatos trazem o pensamento das entrevistadas e suas histórias de descoberta da situação de violência, medo, a jornada em direção ao autocuidado e auto-amor, apresentando ainda ferramentas para lidar com a violência, orientações e serviços públicos de acolhimento, disparando contra o silenciamento.
Karlla Girotto, artista e professora – Foto de divulgação
Em 17 de setembro, será lançado o podcast Eu Sou Muitas, parte importante do projeto idealizado e dirigido pela artista-clínica e professora Karlla Girotto, com realização do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
Criado em 2014, o projeto Eu sou muitas é um espaço de reflexão crítica e de fortalecimento feminino baseado nas artes visuais e performativas, com foco na promoção, protagonismo e liderança de mulheres. A iniciativa questiona as relações sociais vivenciadas pelas mulheres, trazendo os contextos histórico, cultural e social da violência doméstica e de gênero, por meio do relato de perspectivas feministas e transfeministas do sul global.
O podcast apresentará uma série composta por dezessete episódios — um por semana — trazendo reflexões profundas sobre o que é considerado minoritário, segundo Karlla Girotto, idealizadora e diretora do Eu Sou Muitas. “Não estamos falando de quantidade, mas da qualidade do que se desvia das formas e forças dominantes e supremacistas. Nesse sentido, questionamos esse projeto de mundo que é supremacista e dominante e impõe suas representações sobre os corpos das mulheres (mas não só, é um projeto que contamina a todes). Tomar consciência de como esse mecanismo atua sobre nossos corpos e nos desviarmos desses gestos e imagens é uma forma de curar nossas dores e de nos fortalecer para retomarmos as rédeas das nossas vidas como um campo de criação individual e coletiva. É um processo decolonial que estamos propondo”, afirma.
Com sensibilidade artística e sensorial, os episódios trazem conversas com ativistas, psiquiatras, psicoterapeutas, psicanalistas, artistas, profissionais da saúde, líderes comunitárias, advogadas e especialistas na Lei Maria da Penha. Todas/os vão compartilhar com a/o ouvinte suas experiências de sofrimento e de tomada de consciência sobre a violência – algumas relatando episódios pessoais, outras como profissionais que trabalham diretamente no enfrentamento à violência, trazendo reflexões sobre as exigências do performar feminino na sociedade, relações de vulnerabilidade e poder. Vão também apresentar ferramentas para lidar com a violência projetada e implementada pelo colonialismo, mecanismos de fortalecimento e empoderamento, orientações e serviços públicos de acolhimento à mulheres cis e trans que sofrem essas violências.
Highlights
O primeiro episódio tem a participação de Senhorita Bira, educador que tem como campo de estudo as políticas públicas e ciências humanas, analisando o comportamento da sociedade, da religião e do patriarcado. Bira também reflete sobre como as violências no campo afetivo estão diretamente relacionadas à ideia do amor romântico, e como isso se dá quando o denominador racial é considerado na equação.
Já o segundo papo é com Geni Nuñez, escritora, psicóloga e ativista indígena guarani. A psicóloga fala sobre a relação sensível entre os estereótipos de desejo da vítima e a violência sofrida, situação em que a vítima muitas vezes é culpabilizada ou tem sua moral atacada. Nuñez reforça que não há razão e ou fundamento para a violência.
A escritora, diretora de teatro, roteirista e educadora social, Nicole Aun compartilha no terceiro episódio da série suas reflexões a respeito do poder exercido pelo patriarcado sobre os corpos femininos, e os privilégios exercidos pela figura masculina no trânsito social.
Outro destaque é a conversa com a psicanalista e pesquisadora de temas do corpo, do testemunho, da sexualidade e da arte Karina Acosta, que, analisando a importância da escuta dessas vítimas, considera que se deve ir além de uma responsabilidade individual. “Não há como suportar o insuportável, e dessa forma precisamos criar de alguma maneira presenças capazes de assentir essas dores”, afirma.
Em um episódio bastante informativo, a promotora legal Anna Lannas fala sobre a rede de atendimento às mulheres vítimas de violência na cidade de São Paulo e os serviços especializados, tais como o Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher, os Centros de Referência da Mulher, Casas da Mulher, abrigos sigilosos, entre outros espaços para a preservação da vida e dignidade da mulher.
O papo com a artista visual e pesquisadora Bárbara Milano apresenta uma situação que contribui para a revitimização de muitas mulheres e suas famílias: a impunidade. Ao relatar o crime de feminicídio que tirou a vida de sua irmã, Beatriz Milano, em 2018, Bárbara traz à tona uma discussão sensível sobre o exercício de funções públicas por pessoas condenadas por esse tipo de crime. O assassino de Beatriz, o médico Fernando Veríssimo de Carvalho, condenado a 41 anos de prisão pelo crime hediondo, foi contratado pela Companhia de Desenvolvimento de Rondonópolis (Coder) e estava exercendo a função pública de atendimento de saúde enquanto cumpria sua pena em regime semi-aberto. O caso gerou revolta, e por meio de mobilização social, Bárbara conseguiu que um projeto de lei que proíbe a contratação de condenados por feminicídio a cargos públicos efetivos e/ou comissionados fosse aprovado em Rondonópolis (MT). A luta de Bárbara é que o projeto alcance o Congresso Nacional e se torne lei federal.
Também participam de papos com a artista Karlla Girotto o psicólogo Zeca Carú de Paula, a artista e articuladora à frente da comunidade LGBTQIAP+ Vicenta Perrota, a artista e profissional da saúde com ênfase em eutonia Ana Dupas, e a artista e profissional de saúde com ênfase em práticas somáticas e de voz Mariana Marcassa. Estão confirmadas ainda as presenças de A Transälien, multiartista, idealizadora da Coletividade MARSHA! e articuladora pelos direitos das pessoas trans e travestis no Brasil, Mariane Lima, artista e fotógrafa, Amara Moira, travesti, escritora e coordenadora no Museu da Diversidade Sexual, Duda Checa, psicóloga e poeta, Ana Paula Braga, advogada especialista em direitos das mulheres, Crioulla Oliveira, artista e profissional de saúde com ênfase em banhos terapêuticos, e Juliana Puccini, produtora e comunicadora de projetos culturais e socioambientais.
O primeiro episódio estará disponível a partir de 17 de setembro no Spotify.
Sobre o Eu Sou Muitas
O projeto Eu Sou Muitas foi criado pela artista Karlla Girotto em 2014 como um espaço de reflexão crítica e de empoderamento feminino, ao reunir mulheres cis e trans violentadas e vitimizadas em relacionamentos abusivos e violentos. Esse espaço tem foco na promoção e no fortalecimento do protagonismo e da liderança feminina, bem como fazer valer os seus direitos.
Sobre Karlla Girotto
Karlla Girotto é artista, professora, curadora e escritora.
Doutora e Mestra em Psicologia Clínica pelo Núcleo de Estudos da Subjetividade, PUC/SP, gosta de se pensar uma artista-clínica, por acreditar em uma abordagem sem barreiras e em uma escuta atenta para todas, todos e todes, inclusive os não-humanos. Entende que a dimensão clínica da arte é parte fundamental do fazer artístico e relaciona e elabora as presenças no mundo, em coletividade.
Trabalha pelas relações que se instauram nos processos de invenção – imaginativos, mágicos, artísticos, políticos, cósmicos, curatoriais – em relação com as memórias e o campo das forças. A escuta clínica e a dimensão clínica da arte ancoram seus processos