Sessão especial do documentário “O chamado do cacique” contou com participação de Raoni Metuktire
Em sessão do filme do IPAM e do Instituto Raoni no SEMEIA 2024, o líder dos Mebêngôkre (Kayapó) fez um chamado pela união de todos pelo futuro do planeta
O chamado do cacique Raoni Metuktire chegou ao Rio de Janeiro, numa sessão especial do minidocumentário “O chamado do cacique: herança, terra e futuro”, que fez parte da programação da Semana do Meio Ambiente (SEMEIA 2024) do Museu do Amanhã na quinta-feira (6/6). “O filme mostra a forte cultura que nós [povos indígenas] temos. Nossa língua, tradição e modo de viver são importantes para que a floresta continue em pé”, disse o líder dos Mebêngôkre (Kayapó), na roda de conversa promovida durante a sessão. “Há muitos anos, nossos ancestrais [dos homens brancos e dos povos indígenas] se enfrentaram no Brasil. Teve guerra, matança, violência. Deixemos o passado para trás e pensemos no futuro, pois temos um objetivo em comum.”
Produzido pelo Amazoniar do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em parceria com o Instituto Raoni, o documentário celebra a jornada do cacique em defesa dos direitos humanos e do planeta, enquanto destaca a oportunidade de diálogo entre todos. “O cacique Raoni tem uma força aglutinadora dos povos indígenas e não indígenas, mas também uma força multiplicadora. O filme é para espalhar este chamado que é para todos”, explicou Lucas Ramos, co-diretor do documentário e coordenador do Amazoniar, que também participou do bate-papo.
“O discurso do cacique Raoni é de uma simplicidade que a gente já esqueceu. Quando falamos de união e convergência, ele engaja porque fala de uma maneira simples. Ele fala de união quando os povos indígenas teriam toda a razão para pensar o contrário. Às vezes esquecemos o passado de violência que eles viveram e continuam vivendo. E apesar de tudo, o cacique Raoni fala para deixarmos nossas diferenças e pensarmos no futuro”, ressaltou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM, que também esteve na roda de conversa promovida durante o SEMEIA 2024.
Herança
O cientista destacou que o respeito e a proteção dos povos indígenas não são somente uma questão de defesa de direitos fundamentais básicos, mas também de preservação e continuidade do planeta. “A floresta amazônica tem entre 100 e 150 bilhões de toneladas de carbono armazenadas. Isso são 10 anos de emissão global de gases de efeito estufa, preservados pelos povos indígenas e tradicionais”, disse.
Moutinho também ressaltou a importância da combinação entre o conhecimento tradicional milenar dos povos indígenas com a ciência contemporânea para buscar soluções para a proteção da Amazônia, seus povos e para as mudanças climáticas. “Há vários estudos arqueológicos mostrando que a floresta amazônica não surgiu do nada; ela foi manejada durante séculos pelos povos indígenas. Ela só tem essa estrutura e processo de funcionamento por causa dos povos indígenas que manejam essa área”, explicou.
Para Ramos, ir à Amazônia é sempre um exercício de humildade e há muito que aprender com os povos indígenas. “A floresta é grande e tem uma força imensa. Eu levei um roteiro e tinha um plano para fazer o filme. Quando a gente chegou na aldeia Piaraçu, às margens do Rio Xingu, o cacique Raoni estava sentado com os anciões, escutando um por vez. Então percebi a força que ele tinha na escuta: ouviu atentamente o que eles tinham para falar. Aí eu joguei meu roteiro fora. Entendi que devíamos escutar e todas as minhas perguntas mudaram”, disse.
Terra
Um dado do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas) que o documentário destaca é que os povos indígenas representam apenas 5% da população mundial, mas protegem 80% de toda a biodiversidade do planeta.
“Grande parte do agronegócio não sabe que a floresta e os povos indígenas são fundamentais para a continuidade dos negócios. Se nós perdemos essa floresta por degradação ou desmatamento, a produção de soja, por exemplo, despenca. O abastecimento de água em regiões como a Amazônia e o Cerrado é preservado principalmente por terras indígenas”, disse Moutinho.
De acordo com o cientista, no Cerrado e na Amazônia, mais da metade dos municípios apresenta redução de água de mais de 30%, chegando até 80% de redução de água em alguns casos, devido à alteração dos ciclos das chuvas. “Povos indígenas promovem o que chamamos de ‘ar condicionado’ do planeta. Acabamos de fazer um estudo grande mostrando que, em média, os territórios indígenas têm de 2 a 5 graus a menos do que fora, onde tem floresta degradada ou desmatada. Sem as terras indígenas, teremos um deserto quente – e isso já está acontecendo”, comentou.
“Quando estávamos na aldeia Piaraçu, durante o chamado do cacique Raoni, levei um termômetro para medir a temperatura do ar: 46°C e 25% de umidade. O recorde do Brasil é 44.5°C. Os Kayapó estão enfrentando um problema que não é deles e isso está chegando em várias regiões. Se não avançarmos com a proteção dessas áreas preservadas pelos indígenas – que são 120 bilhões de hectares, mais ou menos uns 10 estados do Rio de Janeiro – perderemos o serviço ecológico prestado por eles, que são os que mais sofrem com a mudança do clima. Assim, as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca na Amazônia, que estamos testemunhando agora, serão uma constante. É uma questão de sobrevivência de todos”, ressaltou Moutinho.
Futuro
O documentário também retrata a nova geração de lideranças da etnia Mebêngôkre e como eles vêm repassando os conhecimentos dos seus ancestrais. O bate-papo no SEMEIA 2024 também contou com a participação de Beptuk Metuktire, coordenador no Instituto Raoni e jovem liderança dos Mebêngôkre. “Quando você pensa nessas lideranças sábias, você fica imaginando o que elas pensam todos os dias. Pessoas assim, como o Raoni, pensam muito sobre o que vai ser do mundo. E quando você abraça o mundo, muita responsabilidade vai cair na sua cabeça. Eu vi o que ele passou e estou passando o mesmo – a preocupação de acontecer o mal. Desde os meus 10 anos, escuto ele [cacique Raoni] dizer ‘não briguem entre vocês, porque se não vocês vão se enfraquecer’. Ele não pensa somente nos povos indígenas, mas em todos neste planeta”, contou durante o painel.
“Hoje nós estamos preocupados com as mudanças climáticas. É muito importante a gente levar adiante o que ele [cacique Raoni] pensa para nós e espalhar a mensagem dele. É preciso colocar em primeiro lugar a vida de todos os seres e cuidar do que temos nessa terra”, concluiu.
Sobre o IPAM
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) é uma organização científica, não governamental, apartidária e sem fins lucrativos que desde 1995 trabalha pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia. Nosso propósito é consolidar, até 2035, o modelo de desenvolvimento tropical da Amazônia e do Cerrado, por meio da produção de conhecimento, implementação de iniciativas locais e influência em políticas públicas, de forma a impactar o desenvolvimento econômico, a igualdade social e a preservação do meio ambiente.