Hans Ulrich Gumbrecht mergulha no universo das torcidas nos estádios
Amante de esportes e torcedor apaixonado, intelectual encontra vieses inexplorados para louvar o estado de espírito que as multidões ensejam
Qualquer pessoa que já tenha experimentado um evento esportivo em um grande estádio conhece a energia que emana das arquibancadas cheias de torcedores incentivando suas equipes. Embora “as massas” há muito tempo tenham uma reputação geralmente negativa no debate político e cultural, Hans Ulrich Gumbrecht – que, em paralelo à sua prolífica atividade intelectual no campo das ciências humanas, é ávido apreciador de esportes (e apaixonado torcedor do Borussia Dortmund) – encontra razões poderosas e vieses inexplorados para elogiar as multidões, analisando com olhar entusiasmado o estado de espírito que elas ensejam neste Torcidas: o estádio como ritual de intensidade, que chega agora aos leitores brasileiros pela Editora Unesp.
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“Admito que deve ser não somente algo parecido com um vício, deve ser de fato um vício – na melhor das hipóteses, um vício secundário. Dói-me, no sentido literal do termo, ter de passar na frente de estádios famosos, especialmente de estádios onde jogam grandes times, sem poder parar e perguntar se há visitas guiadas ou outras opções para conhecer o interior deles”, abre o livro, de forma cativante, Gumbrecht. “Por isso, quando chegamos a uma cidade pela primeira vez, minha esposa, nossas duas filhas e até meus dois filhos amantes de esportes sempre estiveram dispostos a gastar tempo considerável para evitar passar por estádios. Por um lado, sua intenção é bem-intencionada, mas, por outro, eles também conseguem, desse modo, se proteger de empolgados monólogos que simplesmente não consigo conter, mesmo sabendo que não interessam a ninguém.”
Com base nessa vivência como espectador em estádios na América do Sul, Alemanha e Estados Unidos, Gumbrecht descreve esses locais como cenários de um “ritual de intensidade”, oferecendo, assim, uma perspectiva única para compreender e até mesmo apreciar a dinâmica das multidões. Enquanto apresenta essa visão alternativa, o autor estabelece diálogos com pensadores que foram mais críticos em relação ao potencial das multidões, como Gustave Le Bon, Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud, José Ortega y Gasset, Elias Canetti, Siegffried Kracauer, T. W. Adorno e Max Horkheimer. Ao unir o rigor filosófico com a paixão de um verdadeiro entusiasta, Gumbrecht tece com maestria filosofia, teologia, história, política, cultura e observações etnográficas neste ensaio dinâmico, que associa a experiência das multidões a uma forma potencial de transcendência.
“O que teríamos a perder em mundo em que não houvesse mais estádios cheios? Essa é uma questão para nós, os torcedores, não para a sociedade em geral”, registra o autor. “Perderíamos um sentimento físico de euforia sem conteúdo que nos atrai ao estádio e que de outra forma não teríamos. Em troca, por assim dizer, perderíamos o risco de violência com todas as suas consequências. De todo modo, não há nenhum valor educativo e certamente nenhuma melhoria moral que se possa esperar de se fazer parte de uma torcida. Mas sem elas, sem sua presença lateral e o poder transfigurador de seu olhar, talvez a forma e a estética dos jogos aos quais somos apegados também mudassem. Não porque as massas apoiam suas equipes, como os atletas gostam tão gentilmente de afirmar – mas porque as equipes e suas estrelas jogam para as torcidas ainda mais do que para seus treinadores e para suas contas bancárias, mais do que talvez eles mesmos imaginem.”
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Sobre o autor – Hans Ulrich Gumbrecht é Professor Emeritus em Literatura da Universidade de Stanford e Presidential Professor de Literatura Românica da Hebrew University, em Jerusalém. Pela Editora Unesp, publicou Depois de 1945: latência como origem do presente (2014), Nosso amplo presente: o tempo e a cultura contemporânea (2015), Prosa do mundo: Denis Diderot e a periferia do iluminismo (2022) e Perfis (2023), além de ser coorganizador do livro Reinhart Koselleck: Uma latente filosofia do tempo (2021).
Título: Torcidas: o estádio como ritual de intensidade
Autor: Hans Ulrich Gumbrecht
Tradução e posfácio: Nicolau Spadoni
Número de páginas: 128
Formato: 13,7 x 21 cm
Preço: R$ 48
ISBN: 978-65-5711-204-5
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