“Andar pelas bordas: bordado e gênero como práticas de cuidado” propõe reflexão sobre o feminino e o lugar do bordado na arte
Apresentada na Arte132 Galeria, a exposição tem curadoria da antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz e reúne 53 trabalhos de 47 artistas mulheres, sendo seis coletivos de bordadeiras, de várias regiões do Brasil. A exposição traz obras com a técnica do bordado criadas por artistas que interseccionam gerações, raças e regiões, como Sonia Gomes, Lídia Lisbôa, Rosana Paulino, Ana Amorim, Guga Szabzon, Leda Catunda e Madeleine Colaço.
A mostra “Andar pelas bordas: bordado e gênero como práticas de cuidado” oferece um amplo panorama da produção artística em bordado, a partir da obra de 41 mulheres artistas e seis coletivos de bordadeiras (Coletivo Artesãs da Linha Nove, Coletivo BordaLuta, Coletivo Linhas de Sampa, Coletivo Linhas do Horizonte, Coletivo Pontos de Luta e Matizes Dumont). Com curadoria da antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz, a ideia é explorar várias potencialidades estéticas e políticas do bordado. A mostra também pretende desnaturalizar a associação entre trabalho feminino e a técnica, desmistificando o caráter supostamente “naïf”, historicamente vinculado ao ato da costura. A exposição entra em cartaz na Arte132, em São Paulo, no dia 26 de agosto e segue até 21 de outubro.
A curadoria selecionou artistas de diferentes contextos, gerações, raças e regiões para mostrar a importância do bordado na história da arte brasileira. Entre os trabalhos, estão desde uma tapeçaria feita pela carioca Madalena dos Santos Reinbolt (1919-1977), artista negra que ganhou recentemente importante retrospectiva no Museu de Arte Assis Chateaubriand (Masp) em 2022, a uma obra da série Livro/Objetos (“Ponto a Ponto”) da veterana Anna Maria Maiolino, bem como trabalhos de artistas mais jovens como Vivian Caccuri e Rebeca Carapiá.
Segundo a curadora Lilia Schwarcz, a exposição pretende “atravessar definições por demais assentadas na história das artes, como retomar o tema do gênero, em geral associado à prática de maneira conservadora – vinculando-o ao espaço exclusivo da domesticidade – mas de forma nada convencional.” Schwarcz mostra como “o bordado serve ao afeto, à estética, como se presta ao campo das reivindicações políticas e sociais por direitos.”
Nesta perspectiva, algumas obras destacam-se por seu inegável caráter político, como a da artista Lívia Aquino, cuja obra “2720. Viva Maria” (que tem a palavra “Canalhas” bordada em feltro sobre bandeira de tecido) é inspirada em um trabalho do concretista Waldemar Cordeiro (1925-1973). Já outros trabalhos, caso de “Cada conta, um rio…”, de Hariel Revignet, mostra símbolos de culturas de matriz afro-brasileira, permeados por temas como religiosidade, pertencimento e identidade em uma obra feita com acrílica sobre tela com costura de guias de Lágrimas de Nossa Senhora.
“Andar pelas Bordas” tem como objetivo, portanto, inverter hierarquias muito consagradas no mundo das artes, que implicam classificações de gêneros artísticos rígidas, e uma divisão que privilegia as produções masculinas em detrimento das femininas”, destaca a curadora no texto da mostra, apontando para nomes de jovens artistas que trazem reflexões existenciais em suas linhas, como Guga Szabzon, que apresenta um bordado delicado e subjetivo; e Júlia Panadés, com ‘Vestido Filosófico’, obra concebida a partir de um escrito da autora portuguesa Maria Gabriela Llansol (1931-2008). Também se destaca o imenso vestido de noiva de Kênia Coqueiro e, de Marlene Barros, uma camisa de força – “Coso porque está roto” – toda bordada e revestida; além dos teares imaginários e coloridos e da delicada “Velatura”, de Sonia Gomes. Ana Amorim comparece com seus diários feitos do bordado e da grafia, Nádia Taquari com seus colares de orixás, e Tadáskía apresenta sua comovente “Estrela cadente fogo celeste” que mais se parece com um mapa íntimo. Lídia Lisbôa faz sua cartografia na obra “A vida segue alinhavando”, que mistura a camurça com o linho e a linha de crochê. Fernanda Gomes traz um objeto escultórico em que costura cabelos numa base de acrílico. Maria Ayani Huni Kuni e Tamani Huni Kuni estabelecem um diálogo com a arte contemporânea a partir de suas tapeçarias de algodão, com tingimento manual.
Com diferentes pontos de partida e concepções acerca do bordado, a exposição mostra como os processos artísticos podem se complementar ao aproximar, no espaço expositivo, trabalhos mais conceituais e outros eminentemente figurativos. “Colocamos em diálogo obras mais autorais, e que têm a ver com processos artísticos particulares, com bordados coletivos, nessa atividade que emana o ‘cuidado de si e do outro’”, pontua Schwarcz.
“Andar pelas bordas: bordado e gênero como práticas de cuidado” pretende também questionar estereótipos que marcam o ofício do bordado, bem como a atuação de suas integrantes, ao trazer coletivos que têm ressignificado o ato tradicional de bordar, para discutir seu significado que “se refere a práticas ancestrais, em que a comunidade defende, acolhe, se protege e se identifica a partir do bordado”, destaca a curadora, citando a pesquisadora Julia Bryan-Wilson.
Ao percorrer a história do bordado no Brasil, a mostra se depara com questões sociais e políticas, como o protagonismo das mulheres na tecelagem, levando em consideração um dado levantado em 2022 pela ONU Mulheres que revela que, no país, dos mais de um milhão de profissionais de costura, 87% deles são mulheres. A exposição busca desvincular da profissão do bordado o preconceito arraigado, como se essa fosse uma atividade exclusivamente doméstica e da domesticidade; para esse contraponto, a curadora propõe o bordado como forma de expressão, reivindicação e luta.
“Sendo assim, longe da mera sujeição, ou da reafirmação passiva de um lugar predeterminado pela sociedade patriarcal, bordar ilumina a importância das mulheres na economia política, social e afetiva de diferentes lugares, e no decorrer do tempo”, aponta a curadora, sobre como o ato pode levar um conjunto de simples linhas a “construção de redes, [como] uma forma de proteção contra as intempéries da natureza – a chuva, o sereno, o frio e o sol –, ou, simplesmente, uma maneira comum de expressão; uma linguagem”.
A exposição é dedicada a Telmo Porto, idealizador e diretor da Arte132 Galeria, recentemente falecido e que acompanhou todo o processo de realização de “Andar pelas bordas”, sempre com seu imenso entusiasmo. A exposição é também dedicada às mulheres artistas durante tanto tempo afastadas do cânone das artes brasileiras.
Sobre a curadora
Lilia Moritz Schwarcz é antropóloga, historiadora, professora da Universidade de São Paulo (USP) e de Princeton. Foi Visiting Professor em Oxford, Leiden, Brown, Columbia e Princeton. Publicou com Adriana Varejão “Pérola imperfeita: a história e as histórias na obra de Adriana Varejão”, com Dalton Paula “O sequestrador de Almas”, com Adriano Pedrosa o catálogo da exposição “Histórias Mestiças” (Jabuti melhor livro de arte 2016) e pelo Masp “Histórias da infância”, “Histórias da sexualidade”, “Histórias afro-atlânticas”, “Histórias das mulheres”. Com André Botelho organizou duas coletâneas: “Um enigma chamado Brasil”, em 2012 (Prêmio Jabuti 2010) e “Agenda brasileira”, em 2013. Publicou entre outros: “As barbas do Imperador” (Jabuti livro do ano 1997), “Nicolas-Antoine Taunay e os artistas franceses” (Jabuti 2009), “Lima Barreto triste visionário” (Jabuti, prêmio Anpocs e Biblioteca Nacional 2019), “Enciclopédia Negra” (prêmio Jabuti 2022). Foi curadora de exposições como “A longa viagem da biblioteca dos reis” (Biblioteca Nacional, 2002), “Nicolas-Antoine Taunay e seus trópicos tristes” (Museu de Belas Artes Rio de Janeiro, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2008), “Histórias mestiças” (2015), “Traições: Nelson Leirner leitor de si e leitor dos outros” (Galeria Vermelho, São Paulo, 2015), “Histórias da infância” (Masp, 2016), “Histórias da sexualidade” (Masp, 2017), “Histórias afro-atlânticas” (Masp, 2018), “Enciclopédia negra” (Pinacoteca, 2018, Mar, 2021), “O Bastardo: a cor do Brasil é preta” (MAR, 2023), “Brasil futuro: as formas da democracia” (2023, Museu Nacional da República, Casa das Onze Janelas, Solar do Ferrão, 2023).
Artistas: Adriana Varejão, Adriana Banfi, Ana Amorim, Ana Maria Tavares, Anna Maria Maiolino, Brígida Baltar, Carolina Cordeiro, Chiara Banfi, Claudia Lara, Delba Marcolini, Eliana Brasil, Eva Soban, Fernanda Gomes, Guga Szabzon, Hariel Revignet, Heloísa Marques, Jessica Mein, Julia Panadés, Kênia Coqueiro, Laura Lima, Leda Catunda, Lidia Lisbôa, Lívia Aquino, Madalena Santos Reinbolt, Madeleine Colaço, Maria Ayuni Huni Kuin, Marlene Barros, Nadia Taquary, Nazareth Pacheco, Paloma Bosquê, Rebeca Carapiá, Rosana Palazyan, Rosana Paulino, Sandra Gamarra, Sol Casal, Sonia Gomes, Tadáskía, Tamani Huni Kuin, Tania Candiani, Vivian Caccuri e Yuli Anastassakis.
Coletivo de bordadeiras: Coletivo Artesãs da Linha Nove, Coletivo BordaLuta, Coletivo Linhas de Sampa, Coletivo Linhas do Horizonte, Coletivo Pontos de Luta, Matizes Dumont.
Sobre a Arte132 Galeria
Fundada em 2021 por Telmo Porto, a Arte132 acredita que a arte de um país, e de um período, não é constituída apenas por alguns nomes definidos pelo mercado, mas por todos os artistas que desenvolveram um entendimento do mundo e do homem em determinado momento, artistas estes que abriram e alargaram os caminhos da arte brasileira. Dessa forma, expõe e dá suporte a mostras com o compromisso de apresentar arte relevante e de qualidade ao maior número de pessoas possível, colecionadores ou não. A casa (concebida pelo arquiteto Fernando Malheiros de Miranda, em 1972), para além de uma galeria de arte, é um lugar de encontros, diálogos e descobertas.
Serviço
‘Andar pelas bordas: bordado e gênero como práticas de cuidado’
Local: Arte132 Galeria
Endereço: Avenida Juriti, 132, Moema, São Paulo – SP
Abertura: Sábado, 26 de agosto, das 11h às 17h
Período expositivo: 26 de agosto a 21 de outubro
Visitação: segunda a sexta, das 14h às 19h. Sábados, das 11h às 17h
Entrada gratuita