Estudo da ESPM aponta falta de representatividade feminina no cinema brasileiro em 20 anos
Método de avaliação colaborativo foi criado por formandas do curso de jornalismo da ESPM, que pesquisaram 52 obras audiovisuais com mais de dois milhões de espectadores no cinema, entre os anos 2000 e 2020
As estudantes do curso de jornalismo da ESPM, escola de negócios, comunicação e marketing, Ana Júlia Oliveira e Mariana Colpas, criaram um método de avaliação sobre a representação feminina no cinema brasileiro. No Teste de Lisbela são avaliadas variáveis de protagonismo, estereotipação, representatividade e narrativa feminina. As alunas utilizaram o método durante o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em uma amostra de 52 filmes com mais de dois milhões de espectadores no cinema, entre os anos 2000 e 2020, e concluíram que existe uma disparidade na representação.
Apenas quatro filmes foram aprovados no teste. Minha Mãe É Uma Peça (2013), Minha Mãe É Uma Peça 2 (2016), Minha Mãe É Uma Peça 3 (2019) e Olga (2004). Três deles fazem parte da mesma franquia e protagonizados pela mesma personagem, a Dona Hermínia. Das 52 obras analisadas, 20 não têm uma personagem feminina de destaque na trama. Das que são protagonistas, aproximadamente, 65% não são donas de sua própria história e têm seu arco narrativo pautado pela motivação do homem. Além disso, exatamente 30% dessas personagens femininas acabam aprisionadas por estereótipos de gênero. Nenhuma personagem é preta, parda, indígena ou amarela, ou mulher LGBTQIAP+.
Para a aprovação de um filme no Teste de Lisbela é necessário ter ao menos uma protagonista feminina, a personagem deve ter seu próprio arco narrativo (que não tenha sua história ligada à de um homem), não se encaixar em um estereótipo de gênero (não deve ter uma narrativa definida somente por ser mulher), e não fazer parte de um grupo de privilégio social.
“As histórias sobre homens ocuparam mais tempo de tela que as femininas nessas duas décadas”, diz Ana Júlia Oliveira. “Somente a partir de 2008, as protagonistas mulheres ganham mais espaço no cinema nacional.”
De todos os longas, apenas a franquia “Meu Passado Me Condena” foi dirigida e roteirizada por mulheres, mas nenhum dos dois filmes da série passaram no Teste de Lisbela. Outros nove filmes foram roteirizados por mulheres e apenas o filme Olga foi aprovado em todos os critérios.
“Dos filmes pesquisados, apenas seis foram dirigidos por mulheres, sendo dois em codireção com homens. Todas brancas, cis, do sudeste do Brasil e entre 27 e 53 anos”, diz Mariana Colpas. Os demais 46 filmes foram dirigidos por homens com mais de 40 anos, brancos, cisgêneros, a maioria em relacionamentos heterossexuais e naturais do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo ou Brasília.
Outros dados:
63% dos filmes têm protagonista mulher
38% das protagonistas têm seu próprio arco narrativo
20% das protagonistas não sofrem com nenhum estereótipo de gênero
22% das protagonistas não fazem parte de um grupo de privilégio social
O estudo também contou com entrevistas com profissionais do mercado audiovisual, entre estudiosas, roteiristas, diretoras, jornalistas e produtoras, como Carla Villa-Lobos, Clara Anastácia, Eulália Isabel Coelho, Gabriela Gaia Meirelles, Jô Abdu, Natália Bridi, Raquel Leiko, Sandra de Souza Machado e Taís Nicolino.
A pesquisa está disponível em www.testedelisbela.com.br e para ampliar o debate sobre a representatividade feminina no cinema brasileiro, os consumidores interessados em contribuir com a análise social realizada pelas estudantes, podem preencher um formulário disponibilizado na página. “Com essas informações poderemos classificar outros filmes e checar se eles passam no teste. Isso dá origem a um ciclo colaborativo que vai retroalimentar a base de dados da pesquisa para futuras análises”, diz a dupla.