O Sol esquentava ainda mais o tom ruivo dela.
Seus olhos atentos se perdiam em meio às folhas, e uma brisa de verão tocava seu corpo despreocupado.
Ofegante da corrida, não tinha mais nada em mente. Era muito jovem, ainda aprendendo sobre como lidar consigo mesma e com o mundo que estava à sua volta. Encantava os outros com a sua graça em uma fase que rapidamente foi passando.
Talvez por falta de quem a ajudasse a entender sobre, conheceu muito nova algumas coisas que a vida deveria proporcionar somente mais adiante, e culminou por sofrer o abandono de quem prometeu estender a mão de forma incondicional, independente do que houvesse. Estando confusa, e talvez se sentindo excluída, perguntou ao vento: Porque?
Tinha a mente simples, mas carregava no ventre o motivo de tal rejeição, e não entendia como algo tão bonito poderia ter chegado nesse ponto.
Acabou por vagar nas ruas, morar em lugares nos quais nenhuma criatura deveria, e por ter pouco tempo acabou dando a luz ainda na sarjeta.
Passava fome pela sua cria, mas talvez pela dedicação, ou pelas pintas no nariz, recebeu ajuda de pessoas das quais não esperava para conseguir sobreviver. Sua breve história ganhou notoriedade, e ainda debilitada, foi indicada e recolhida daquele local.
Tudo o que ela lembrou depois eram aquelas roupas brancas, o cheiro de sangue e a dor cortante que surgiu. Dormiu mais uma vez, e ao acordar nunca mais viu seus filhos. Ainda mais fraca, e sofrendo pela ausência, reuniu as forças que tinha para tentar novamente enquanto vagava por lugares que eram temporários demais.
Não sei se chegou a apegar-se com outro alguém, talvez a cicatriz impedisse qualquer aproximação, ou talvez o avanço da idade, já não era mais aquela menina, mas ainda tinha vontade de sobreviver, de viver. Por isso, então, fugiu.
Nunca foi revelado o que houve durante aquele período, mas quando encontrada havia sido maltratada, seu caminhar nunca mais foi o mesmo, e passou a desenvolver dificuldades para se alimentar.
Mesmo assim, não deixou de demonstrar a alegria que tinha no coração, apesar do caos e dor que sua vida havia se transformado.
Mais uma vez passou a vagar pelas casas e morar de favor, enquanto lutava com o próprio organismo para sobreviver. “Ela é adaptável”, era o que diziam, mas ninguém nunca pensou no quanto havia sofrido até então.
Foi quando eu conheci ela.
O ruivo já estava opaco, desgrenhado. Abatida, fez o que pôde para demonstrar gratidão enquanto assinávamos papéis a fim de retirar ela da situação que se encontrava. Já não tinha um nome. O seu nome fora esquecido há muito.
Olhei no fundo dos seus olhos castanhos e entendi que tamanha vida não poderia ser simplesmente algo terreno, transitório, mas como um presente que havia descido do Alto para habitar aqui, e como o anjo que era, foi batizada.
Ainda sofria os efeitos físicos do descaso quando começamos seu tratamento. Muitas vozes tentaram fazer com que voltássemos atrás, desistindo de lutar por algo que valesse a pena, já que eles haviam desistido. Mesmo assim, não havia mais volta, a ligação feita conosco já era profunda e eterna.
Foram quase 3 meses entre a descoberta da sua condição e a cura, onde não houve um dia de descanso, mas em nenhum desses dias faltou amor.
Muito pelo contrário, o amor transbordava a cada pequena vitória, a cada progresso que era feito e a cada vez que lentamente íamos ouvindo a sua voz.
Finalmente ela teve paz, e pouco mais de 2 anos depois houve outra transição. Não mais aquela situação que via como ideal, não mais os mesmos lugares que significaram a sua redenção, mas já com os olhos abertos, entendeu que algumas coisas precisaram mudar para que o ciclo continuasse e ela também continuasse a evoluir.
Hoje ainda a vejo, e admiro enquanto o Sol brilha de novo nela, trazendo o tom do fogo aos meus olhos. Seus olhos gratos me fitam enquanto vêm em minha direção, correndo pela grama, sentido a brisa, sentindo a liberdade, sentindo o coração.
E eu a observo, sabendo que descobri o amor, um amor que veio do céu.
Celeste,
sim,
Celeste.
Por Thomas Krause