Vivemos atualmente um dos períodos mais conturbados da política brasileira em toda a história. O mundo contemporâneo se tornou uma bomba relógio que a qualquer minuto pode espalhar fragmentos para dinamitar a paz, como as divergências intermináveis de Donald Trump e Kin Jong-un. Os governantes geralmente são alvos da população para atribuir os problemas sociais de sua cidade/estado/país – algo fácil de se concordar – e a soberania praticamente intocável deles gera cada vez mais revolta. Uma das áreas que mais se manifesta contrária aos poderes que existem é a música. Discursos de protesto nas letras de músicas já vêm de muitos anos. A classe artística considerada por sua inteligência e engajamento carrega uma bandeira onde se replicam as vozes dos sem-voz. Com sua popularidade, tornam-se representantes do povo com discursos que emitem opiniões confrontando o poder. Inúmeras músicas foram compostas com este enredo, já houve movimentos baseados exclusivamente em bradar contra os políticos e muitos momentos históricos já tiveram como trilha sonora músicas com letras sugestivas. Mas o protesto não vem apenas apontando a política, os problemas sociais também são um enredo bastante enfatizado na propagação de mensagens de insatisfação. Uma das mais famosas músicas de protesto dos anos 60 foi eternizada por James Brown: “Say It Loud – I’m Black and I’m Proud” (“Diga em voz alta – sou negro e tenho orgulho” em inglês), lançada em 1968, retrata o preconceito racial existente nos Estados Unidos e incentiva aos afro-americanos a lutarem para não se sentirem diminuídos e a correrem atrás de seus objetivos, não sendo subservientes a qualquer pessoa. Uma frase emblemática na letra mostra o poder da mensagem: “We rather die on our feet than keep livin’ on our knees” (“Preferimos morrer de pé do que continuar vivendo de joelhos”).
James Brown – “Say It Loud – I’m Black and I’m Proud”
Um movimento cultural surgido nos anos 70 se confunde com a história dos protestos. Considerada por muitos como o principal veículo musical para proferir mensagens de revolta e discórdia contra o poder, eis que surge o Punk Rock. Juntando riffs simples porém muito enérgicos, o Punk Rock mudou de vez o cenário Hard Rock dominante nos anos 70 de bandas como Led Zeppelin. A proposta era ter músicas rápidas e diretas com letras que apontavam vários problemas do cotidiano da classe trabalhadora. Um dos primeiros sucessos mundiais em que se expressava tal angústia foi a música “Anarchy in the UK” da banda Sex Pistols – “Eu sou um anticristo/eu sou um anarquista/Não sei o que quero, mas sei como conseguir/Eu quero destruir os transeuntes/porque eu quero ser anarquia” – não fica um direcionamento tão claro sobre o alvo do protesto na frase, mas há uma estrofe da música que explicita a associação do poder britânico com grupos envolvidos em guerras civis, tais como o separatista IRA (Exército Republicano Irlandês), a UDA (Associação de Defesa do Ulster) que era inimiga do IRA por defender a permanência da Irlanda ao Reino Unido e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido social-democrata que rege o país há mais de 40 anos desde seu separatismo de Portugal e vencedor da guerra civil Angolana.
Sex Pistols – “Anarchy in the UK”
Outro ícone de protestos e que não pode ficar de fora de qualquer lista é a banda Dead Kennedys. Jello Biafra (cujo nome verdadeiro é Eric Boucher) já nutria interesse pela política desde cedo e começou sua carreira na música como roadie da banda The Ravers e em seguida formou com East Bay Ray uma das principais bandas de Punk Rock dos Estados Unidos. A observar duas de suas principais músicas, “California Uber Alles” em que cita a visão fascista da política norte-americana e “Holiday in Cambodia”, que critica os universitários norte-americanos privilegiados contrastando com as consequências de como Pol Pot, um revolucionário comunista, foi responsável por milhões de mortes no genocídio de Cambodja. The Clash fez sua contribuição com as músicas “White Riot” criticando diferenças econômicas e de classes sociais e “Tommy Gun” falando sobre terrorismo.
Dead Kennedys – “Holiday in Cambodia”
The Clash – “White Riot”
A banda U2 ao longo da carreira realizou inúmeras ações sociais e manifestações políticas, visitas a chefes de estado e batalha para diminuir a pobreza ao redor do mundo. São inúmeros artistas expressando em palavras sua indignação com os poderes, como por exemplo uma letra de protesto de Thrash Metal, um estilo improvável em relação a críticas políticas e sociais por ter sido estereotipado em letras citando histórias fantasiosas: a música “Peace Sells” do Megadeth possui uma letra extremamente inteligente sobre como o governo aponta que você está errado mesmo fazendo o certo. Outra música com uma crítica explorando a disputa de poder numa guerra é na música “Holy Wars… The Punishment Due”, que vai direto na ferida ao mencionar conflitos religiosos. Uma das bandas mais significativas em relação a protestar contra o sistema é a Rage Against The Machine. Uma mistura de letras fortes, atitude e assimilação do público com todas as músicas transformava seus shows ao vivo em uma espécie de “seita” onde seus seguidores compreendiam a mensagem. Uma das frases mais emblemáticas de suas músicas é “Alguns daqueles que comandam as forças são os mesmos que queimam cruzes”, trecho de “Killing in the Name” que ganhou o status de música atemporal pelo público e fala sobre truculência policial e racismo. Onde esta música toca é reconhecida e difícil ver alguma cabeça sem se mexer ao acompanhá-la.
Megadeth – “Peace Sells”
Rage Against The Machine – “Killing in the Name”
A geração 80 do Brasil que pode ser chamada de “filhos da ditadura militar” também soltou sua voz para criticar o sistema e descaso de governantes para problemas sociais. Já citamos em colunas anteriores o clássico disco “Pela Paz em Todo Mundo” do Cólera cujas mensagens apontam o descaso das autoridades. Um dos álbuns mais marcantes em relação às críticas sociais é o “Selvagem?” dos Paralamas do Sucesso, lançado em 1986. O carro-chefe deste álbum, a música “A Novidade” de Gilberto Gil, traz um enredo condizente com as mensagens trazidas com as músicas autorais “Alagados” e “Selvagem”. No início da carreira da Legião Urbana também víamos várias músicas com mensagens de revolta e é deles um dos principais hinos em protestos populares: “Que País É Este”, que ainda puxa um incidental “é a porra do Brasil” no meio do refrão. Nos anos 90 também tivemos artistas que trouxeram voz ao protesto pegando carona com a lendária passeata dos “caras pintadas” (que este que vos escreve esteve presente) em 1992 com objetivo de protestar contra a corrupção na política – 25 anos depois, parece que nada mudou ou talvez tenha piorado. A cena independente carioca desta década trouxe inúmeras bandas que bradavam suas mensagens criticando também o sistema, a miséria e as diferenças sociais.
Os Paralamas do Sucesso – “Selvagem?” (álbum completo)
Estamos no século XXI e muita coisa mudou, outras gerações já estão consolidadas e gostaríamos de saber se nos últimos 15 anos surgiram bandas com músicas de protesto com eficácia a ponto de serem porta vozes de uma geração como já tivemos no passado. O excesso de informações diante do fácil acesso à internet torna as pessoas menos preocupadas e/ou mais conformadas com as notícias negativas? Será que há uma lacuna e consequentemente não há renovação nesta característica que sempre andou de braços dados com a música?
Mudando o clima para uma mensagem mais “leve” (risos), Capivarock deseja um Feliz Natal a todos que acompanham A Capivara Deu Cria! Muito obrigado pela audiência! 😉
Por Fellipe Madureira
Na vitrola: Bad Religion – “Christmas Songs”
Na minha opinião estamos meio “órfãos” de bandas com este tipo de engajamento e continuamos cantando as mesmas músicas antigas que fizeram diferença.