Trilogia da cachaça – PARTE 3
E por fim vamos chegando próximo ao término da nossa trilogia sobre a cachaça abordando o envelhecimento e as madeiras usadas neste processo, mas creio ser a parte mais espinhosa do assunto, pois é onde impera o gosto pessoal, e mesmo que você já tenha definido o seu, sugiro que abra espaço para novas possibilidades, pois só devemos ser fiéis à família e ao nosso time de coração. E a pátria? E antes que alguém pergunte respondo: somente a peste matou mais gente que “os patriotas e os religiosos”.
ara se ter o quê envelhecer primeiro é preciso ter. Então não há como deixar de abordar o processo de destilação da cachaça, mesmo que breve.
Primeiro se obtém o caldo da cana, que deverá ter um teor de açúcar em torno de 16% e pH entre 4,0 e 4,5 ambos os teores podem ser corrigidos, o primeiro com água de boa qualidade e o segundo com a adição de ácido sulfúrico.
Para o mosto adiciona-se fermento ao caldo, alguns produtores acrescentam fubá de milho, que dará suporte as colônias de bactérias que transformarão o açúcar em álcool e gás carbônico. Terminada a fermentação vamos à destilação, preferencialmente em alambiques de cobre. Este metal é fundamental como o agente catalizador que degradará os compostos sulfúricos que dão mau gosto e mau cheiro a bebida.
A primeira parte proveniente da alambicagem, com teor etílico entre 70⁰ GL e 39⁰ GL é chamada de cabeça, algo em torno de 10% do volume que está sendo alambicado e é desprezado por conter frações leves como acetaldeído, que tem bom perfume, mas dá muita dor de cabeça. Um truque, beba um gole da cachaça bem devagar, feche a boca e solte o ar pelo nariz, se sentir uma certa friagem; despreze a bebida pois tem frações leves, certamente aldeídos.
A segunda parte com teor etílico entre 50⁰ GL e 38⁰ GL é o coração e corresponde a aproximadamente 80% do quê se destila, está é a cachaça que será bebida, mas neste momento é muito ácida, seus componentes secundários ainda não se desenvolveram.
A terceira parte é a cauda, corresponde a 10% do volume que está sendo alambicado e é desprezada por conter álcoois chamados de superiores, que apesar do nome não são saudáveis.
O envelhecimento ou repouso da cachaça é fundamental para que a bebida assente, perca parte da acidez e aspereza, desenvolva seus componentes secundários e agregue as qualidades inerentes a cada madeira. É interessante notar que whisky, bourbon, whiskey, conhaques, brandy, rum e uma infinidade de bebidas envelhecidas o são em barris de carvalho, inclusive a nossa cachaça, mas ela também tem sido envelhecida em outras madeiras com resultados muito bons, cada uma conferindo uma qualidade em especial. As madeiras mais utilizadas são: Carvalho, Castanheira/ Louro Canela, Ipê Amarelo, Jatobá, Amendoim/Sucupira, Araruva, Bálsamo/Cabreúva, Umburana /Amburana/Cerejeira.
Os toneis de madeira antes de receber a bebida passam por um processo chamado TOSTA que consiste em queima-los ligeiramente por dentro. Está operação cria uma fina camada de carvão de baixíssima permeabilidade que como um filtro ativo impede o contato direto do líquido com a madeira crua. A queima do barril serve também para degradar compostos indesejáveis e criar outros compostos aromáticos e flavorizantes como aromas de anis, alcaçuz, pimenta, chocolate, compotas de frutas, tabaco, que são os mais comuns e que passarão para a bebida, além de dar uma coloração característica.
Algumas madeiras pouco alteram o sabor da bebida original, outras somente conferem algum tipo de cor, mas todas são fundamentais para o amadurecimento e contribuem, sem dúvida, para suavizar e abrandar a acidez inicial.
Nó último capítulo da trilogia da Cachaça segue a diferença entre o que cada madeira pode fazer com a bebida, o processo que dá corpo a nossa brasileiríssima segue ainda dentro dos tonéis, então uma boa dica é descobrir o que cada “casca” pode agregar de sabor a cachaça.
Algumas madeiras pouco alteram o sabor da bebida original, outras somente conferem algum tipo de cor, mas todas são fundamentais para o amadurecimento e contribuem, sem dúvida, para suavizar e abrandar a acidez inicial.
Abaixo as características de cada madeira no envelhecimento, sem esquecer que podem ser mais ou menos acentuadas dependendo do grau da tosta, do tempo de envelhecimento e se o barril é novo ou de segunda utilização.
– Carvalho Americano as cachaças curtidas nesta madeira têm sabor suave, aromas de baunilha e coco queimado e alguma picância, e uma coloração da bebida âmbar.
– Carvalho Europeu dá à cachaça aromas de ameixas secas, sabores de baunilha e taninos leves, madeiras tostadas, e uma coloração da bebida âmbar.
– Castanheira ou Louro Canela, aromas suaves de anis e noz moscada, sabor adocicado levemente frutado e amadeirado. Cor ligeiramente dourada e cristalina.
– Amburana produz bebidas levemente adocicada, sabor abaunilhado com toque de alcaçuz, buque forte e característico. Cor de um amarelo pálido.
– Amendoim e Jequitibá ambas as madeiras pouco alteram o sabor e a cor original da bebida, amacia e abranda bem a bebida.
– Ipê Amarelo traz notas que lembram canela, baunilha e noz moscada, mantem um gosto persistente na boca. Cor amarelo pálido.
– Bálsamo traz aroma herbáceos fortes e florais leves, dá um gosto adstringente devido aos seus taninos fortes, mas agradáveis. Cor característica de um amarelo esverdeado.
– Araruva traz um buque floral intenso, suaviza e adoça o sabor, acrescenta uma sensação de oleosidade à bebida. Coloração amarelo pálido.
Há muitas outras madeiras e associação delas, já que alguns produtores fazem um blend onde duas ou mais madeiras são combinadas, buscando a melhor qualidade de ambas e consequentemente da bebida.
Levantemos um brinde a todos os anônimos que lutaram ou lutam com um sorriso de ironia por não ter outra arma, que vergam sob as tempestades da vida, mas não se quebram, cito alguns versos de autor desconhecido do Lundu de Pai João, um personagem folclórico que veio da África para ser escravo no Brasil.
“Quando iô tava na minha terra
Iô chamava capitão
Chega na terra dim baranco
Iô me chama – Pai João
. . .
Baranco dize quando more
Jesucrisso que levou,
E o pretinho quando more
Foi cachaça que matou”
Por Cesar Barbosa