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1991, o ano do Rock

1991, o ano do Rock

Eu era apenas um rapaz de 14 anos que vivia um paradoxo: sentindo o peso nas costas de uma repetência escolar no ano anterior, eu convivia com a sensação de culpa do revés acadêmico mas ao mesmo tempo sentia felicidade por ter ido ao primeiro festival de Rock da minha vida, o Rock in Rio 2, realizado em Janeiro de 1991. O festival teve um grande apelo, a MTV impulsionou os artistas participantes e o vasto interesse de público e mídia pelo Rock que popularizava cada vez mais ainda o estilo. A revista Bizz também era uma grande fonte de informações sobre música, era um mensário que disputava acirradamente com as tirinhas do Recruta Zero num jornal impresso como meu passatempo literário favorito. Sim, eu lia jornal impresso em 1991 (cuja principal manchete era a Guerra do Golfo), meus pais são assinantes deles até os dias de hoje – por mais que alguns possam achar estranho este hábito perdurar. A informação não tinha a efemeridade da era digital e estes eram os poucos recursos que dispúnhamos. Era uma época de busca, de procura, de pesquisa, de estudo, não a pesquisa reversa que o cotidiano e os dispositivos de informação praticamente nos dizem o que consumir e como consumir. Já aos 15 anos, completados em Abril, meus principais passatempos eram ouvir discos de vinil, fitas cassete (não fui merecedor de ganhar um aparelho de CD por não ter sido um bom aluno no ano anterior…risos) e estudar para passar de ano, claro. Isso era uma obrigação e eu mal saía de casa. Mas quando se aprende uma lição, mesmo não sendo uma regra, o enfoque das coisas geralmente muda e ter ciência de suas tarefas na adolescência é fundamental. Eu prestava bastante atenção nas aulas para chegar em casa e ter tempo para brincar com as baquetas que tinha em casa fingindo ser um baterista, ato que hoje em dia chamam de Air Drums. Durante o Fúria Metal, Gas Total e Lado B, programas que eu mais assistia na MTV, meu sonho de ser músico era realizado num praticável de bateria imaginário em cima da minha cama. Esse momento cênico foi importante para iniciar de vez a tocar um instrumento, ter minha trajetória como músico – que um dia ainda dividirei com vocês – neste mesmo ano de 1991. Que lembranças ótimas!

Abertura Fúria Metal MTV

Se atualmente temos a crise instituída em diversos setores, poderíamos dizer que a classe de produtores musicais no ano de 1991 foi uma das mais rentáveis. 1991 pode não ter sido o ano a maior quantidade de álbuns de Rock lançados, mas foi o ano em que vários álbuns históricos foram lançados. E o ano ainda culminou o início de um movimento musical que revolucionou a década de 90, quiçá a história da música… mas essa é uma história que falaremos mais à frente. E não, o movimento que estamos falando não é a Lambada! (risos)… se minha memória não falha, o primeiro lançamento de Rock em 1991 que tive conhecimento foi o álbum Arise do Sepultura. Pegando carona com a apresentação no Rock in Rio 2, a gravadora Roadrunner resolveu lançar antes do festival uma edição intitulada Arise – Rough Mixes, algo como um spoiler do lançamento mundial definitivo que ocorreu dois meses depois. A expectativa era enorme sobre a banda brasileira mais internacional naquele momento e fazendo um trocadilho com o título do álbum, eles estavam realmente surgindo para o mundo como um dos artistas mais famosos e influentes do metal dos anos 90. A MTV ajudava e muito a divulgar os lançamentos quase em tempo real, porém infelizmente eles demoravam um pouco a chegar no Brasil. O que nos restava era aproveitar os clipes até que finalmente as lojas começassem a vender os álbuns – isso sem anunciar uma data específica – e tínhamos que fazer uma constante peregrinação para finalmente obter o que se esperava. No caso das lojas especializadas, era possível reservar caso já houvesse uma suspeita de data de lançamento. Fiz isso com o vinil do álbum Metallica, mais conhecido como “Black Album”, na loja Hard ‘N’ Heavy da Rua Marquês de Abrantes no Flamengo. Famoso como o álbum mais vendido da história da música desde a implantação do Nielsen Soundscan, que funciona como um sistema de rastreamento de vendas de música e vídeo nos Estados Unidos e no Canadá, Metallica vendeu aproximadamente 16 milhões de cópias (aferidas por este sistema). Este álbum levou 10 meses para ser gravado com um custo de 1 milhão de dólares à gravadora Elektra e o processo de gravação e turnê deste álbum foram registrados em vídeo e lançado com o nome de A year and a half in the life of Metallica, que se dividia em duas fitas VHS! Nota da coluna: para esclarecimento, o álbum mais vendido de todos os tempos é “Thriller” de Michael Jackson, citado na coluna Capivarock do dia 18/08/2017 (coluna “Álbuns Memoráveis”).

“Arise” – Sepultura

https://youtu.be/REohPKJKL90

 

“Metallica” – Metallica

https://youtu.be/zc3cE4pYw5I

Impossível não falar de um dos lançamentos mais aguardados de 1991: o álbum duplo Use Your Illusion do Guns N’ Roses. Algumas músicas deste disco tiveram a estreia no Rock in Rio 2 – é estranho eu lembrar que assisti ao vivo “You Could Be Mine” e ficar completamente sem reação por não conhecer a música no show. Meses depois, o clipe que mesclou cenas da banda com o filme O Exterminador do Futuro 2 teve alta rotação na MTV e impulsionou as vendas dos dois álbuns. Com as capas em cores diferentes para distinção, as 30 músicas divididas entre Use Your Illusion I e Use Your Illusion II foram um marco para a banda e público – positiva e negativamente. A turnê foi marcada por shows lotados, escândalos, confusões, atrasos, adiamentos… ou seja, exatamente como manda o figurino de Axl Rose (sejamos justos, no Rock in Rio 2017 ele não atrasou, aposto que o contrato previu multa por isso…risos). Houve o clássico episódio do show com o Metallica no estádio olímpico de Montreal(Canadá) em 1992 quando James Hetfield teve seu braço queimado com os efeitos pirotécnicos e a banda precisou interromper sua apresentação. O show do Guns N’ Roses iniciou em seguida, porém após constatarem problemas técnicos no som do palco e a alegação de Axl Rose que sua garganta estava com problemas, o show foi encerrado mais cedo e um tumulto se instaurou nos arredores do estádio gerando um caos. Os clipes gravados pela banda eram produções cênicas megalômanas, mostrando que a banda era sem dúvida o principal artista de Rock naquela época. Outro álbum muito esperado nesta época foi o Blood Sugar Sex Magik dos Red Hot Chili Peppers. Seu antecessor, Mother’s Milk, tinha feito um grande sucesso – foi o álbum de estreia de John Frusciante – e esperava-se uma continuidade com músicas calcadas numa vertente chamada de funk metal, mas eles surpreenderam e compuseram canções épicas sendo tocadas até hoje em seus shows e marcadas como clássicos, tais como “Give it Away” e “Under The Bridge”. A diferença de maturidade dos dois álbuns é grotesca e eles também fizeram um documentário (chamado Funky Monks) que mostra o making of da gravação, realizada numa mansão pertencente à Harry Houdini em Los Angeles – sugestão do produtor Rick Rubin aceita pela banda como locação. Vale a pena conferir este documentário que mostra detalhes interessantes deste processo, inclusive sobre algumas curiosas lendas desta mansão.

“Funky Monks” (documentário) – Red Hot Chili Peppers

Um pouco acima falamos sobre um movimento que revolucionou a década de 90 e que surgiu em 1991: Grunge. Este nome foi atribuído a uma cena de bandas de Seattle criadas na segunda metade dos anos 80 que começavam a despontar para o grande público. Esta cidade, conhecida como uma das que menos se tinha algo para fazer à época, uma das que mais chovia no país e atualmente é um dos locais mais caros para se viver nos EUA, o berço do Grunge trouxe para o mundo uma nova cultura e uma nova filosofia de arte impulsionadas por estes artistas em ascensão. Uma banda barulhenta de Aberdeen chamada Nirvana, cidade do mesmo estado onde se localiza Seattle (estado de Washington), apareceu para o mundo lançando possivelmente o último divisor de águas da música do século XX: o álbum Nevermind. Lançado em Setembro de 1991 e carregado pelo megahit “Smells Like Teen Spirit”, o trio se tornou uma das bandas favoritas de 9 entre 10 Rockers (para que a unanimidade seja burra.. risos). Toda aquela pompa, virtuose e extravagância do hard rock e metal iniciavam seu declínio e as bandas despencaram das paradas musicais dando lugar à simplicidade sonora e atitude do Grunge. Sim, ali vimos que de fato os anos 90 tinham começado aniquilando toda a estética dos anos 80. Adolescentes como eu, que na época tentavam tocar um instrumento mas não se sentiam capazes, passaram a acreditar que era viável. Era o “efeito Ramones” nos anos 90. O álbum Nevermind era bem diferente do antecessor (Bleach, 1989) em vários aspectos, mas havia uma essência de angústia nas músicas. Era Kurt Cobain tentando exorcizar seus demônios através de letras fortes canalizados por um instrumental enérgico. Já é de conhecimento amplo o fim da história da banda, já até mencionamos em colunas anteriores um resumo da trajetória de Cobain, mas é impossível não associar a música dos anos 90 ao Nirvana. Porém justiça seja feita: outros ícones do movimento Grunge marcaram este mesmo ano com lançamentos: a banda Soundgarden lançou o excelente Badmotorfinger com riffs influenciados pelo Black Sabbath e o Pearl Jam estreou sua discografia com o álbum Ten, contendo hits como “Alive”, “Even Flow” e “Black”. Pouco antes deste álbum ser lançado, integrantes do Soundgarden e Pearl Jam se juntaram para um tributo a Andrew Wood, vocalista da banda Mother Love Bone, que em despontava como um grande representante de Seattle. Wood teve uma overdose e faleceu em 1990, dando fim à banda. Os remanescentes Stone Gossard e Jeff Ament se juntaram a Mike McCready, Eddie Vedder, Matt Cameron e Chris Cornell (colega de quarto de Wood) e gravaram Temple of the Dog, um álbum totalmente inspirado no finado vocalista da Mother Love Bone. Coincidentemente, com exceção de Cornell, os outros integrantes fazem parte da formação do Pearl Jam que se mantém desde 2000. Infelizmente Cornell teve o mesmo fim de Wood neste ano de 2017.

“Nevermind” – Nirvana

Temple of The Dog

Alguns lançamentos em 1991 me influenciaram e chamaram muita atenção: Prove You Wrong da banda Prong. O power trio de Nova York é uma das bandas que eu particularmente tenho dificuldades de definir o estilo. É metal, mas a vertente do metal é de definição complexa. “Unconditional” foi o hit, porém “Prove You Wrong” e “Irrelevant Thoughts” também eram dois petardos. Outro clássico lançado em 1991 foi For Unlawful Carnal Knowledge do Van Halen, também conhecido como FUCK (acrônimo do nome do álbum). Quem não se lembra do clássico riff de “Poundcake” que era tocado por Eddie Van Halen com uma furadeira? A balada “Right Now” foi uma das músicas mais executadas à época. Quem conhece as músicas “R.A.M.O.N.E.S.” e “Going to Brazil” do Motörhead? Estas fazem parte do álbum 1916, também lançado em 1991. A mistura de metal com rap também foi carimbada neste ano com o Anthrax e Public Enemy fazendo dobradinha na música “Bring The Noise”, lançada no álbum Attack of the Killer B’s, uma compilação de lados B do Anthrax. Infelizmente o ano de 1991 marcou também algumas perdas pro Rock, como as mortes de Steve Clark (guitarrista do Def Leppard), Eric Carr (baterista do Kiss) e Freddie Mercury (vocalista do Queen). Innuendo foi o último álbum lançado pelo Queen com Mercury ainda em vida. Seu estado de saúde já era bastante debilitado durante as gravações. A música  “The Show Must Go On”, coincidência ou não, pode ser considerada um adeus antecipado deste grande artista. Dos artistas nacionais de Rock, além do Sepultura ter sido mencionado acima, cito os álbuns V do Legião Urbana, cujas músicas retratam um clima sombrio – talvez resultado da recente notícia da contaminação de AIDS de Renato Russo – mas grandes canções fazem parte desta obra. Menciono “Metal Contra as Nuvens” como uma música especial na minha vida, pois um trecho dela entrou como os dizeres do meu convite de casamento com minha amada esposa Elivânia. “Vento no Litoral” é uma obra prima na minha opinião, carregada de sentimentos, é aquela música que você ouve olhando para o horizonte pensando na vida. Tudo ao Mesmo Tempo Agora dos Titãs marcou o início da transição da banda para um Rock bem mais pesado e foi o último álbum com a participação de Arnaldo Antunes como integrante da banda (ele continuou colaborando em composições posteriormente). Os Grãos do Paralamas do Sucesso tinha um dos clipes mais legais que eu tinha visto na época: “Trac Trac” foi gravado em time lapse pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Anarkophobia do Ratos de Porão também é do time de 1991 e manteve a notoriedade da banda no exterior, pois como já dito em algumas entrevistas, João Gordo menciona que a banda sempre foi mais valorizada pela imprensa estrangeira do que a nacional. Uma injustiça histórica irreparável, que fique claro.

 “Metal contra as nuvens” – Legião Urbana

 “Trac Trac” – Paralamas do Sucesso

Outros álbuns que fizeram história e foram lançados em 1991: Out Of Time – R.E.M.; Lean Into It – Mr. Big; Mama Said – Lenny Kravitz; Flashpoint – The Rolling Stones; Slave To The Grind – Skid Row; 1,039/Smoothed Out Slappy Hours – Green Day; Leisure – Blur; Roll The Bones – Rush; No More Tears – Ozzy Osbourne; Trompe Le Monde – Pixies; As Ugly as They Wanna Be – Ugly Kid Joe; We Can’t Dance – Genesis; Bandwagonesque – Teenage Fanclub e Achtung Baby – U2. E onde você estava em 1991? Capivarock quer saber qual disco deste ano marcou sua vida! Comentem!

*Agradecimento especial ao Rodrigo Dracxler pela pauta da coluna de hoje.

Por Fellipe Madureira

Na vitrola: Tom Petty (homenagem póstuma) – “Free Falling”

3 comentários

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Eli

<3<3
"E nossa história
Não estará
Pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá
Vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora, ahh!
Apenas começamos"

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Marcus Vinicius

Ouvi a maioria dos discos que vc citou lançados em 1991 mas com certeza o que mais me marcou foi o Nevermind do Nirvana. Foi a partir deste disco que eu comecei a curtir “rock pesado” sem ser hard rock farofa.

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ANDERSON FIRMINO DA SILVA

Vários desses álbuns me marcaram. Achtung Baby do U2, para mim, é o melhor da banda. Mas esses álbuns citados na coluna moldaram o meu modo de consumir música.

Bons tempos!