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Mito = Clichê?

Mito = Clichê?

Mito = Clichê?

I hope I die before I get old” – quando Pete Townshend escreveu esta frase em 1965, poderia ser o retrato de uma geração que não pensava em envelhecer, rechaçava o pensamento em ter uma vida rotineira de fase adulta ou seria apenas uma síndrome de Peter Pan? Live fast, die young era o estilo de vida. Dois anos depois, Lennon & McCartney escreveram “When I’m sixty-four” que retratava o contrário: indagações sobre possíveis nuances de uma idade bastante avançada para a época, reforçando o desejo de não ser um ser solitário na terceira idade, quase um clamor contra um exílio senil.

A história do Rock se mostra recheada de mitos e clichês. Mitos com duplo sentido, onde há ícones que se foram precocemente, acidental ou intencionalmente, com desejo da idolatria e de fazer parte da história; ou os mitos, com o sentido das inverdades e falácias de suas jornadas, onde estes se tornam um escárnio. Mas essa caçada à idolatria também não poderia ser associada aos clichês do Rock? Vejamos alguns exemplos clássicos do “Clube dos 27 anos”: Robert Johnson, Brian Jones, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix (entre muitos outros). Óbitos por diferentes motivos, porém o que se passava na mente de cada um deles? Inconsequência no estilo de vida, fama indesejada, popularidade em proporções estratosféricas… há pessoas que desejam tanto alcançar o dito “sucesso” mas este é um preço que nem todos conseguem pagar. Vida na estrada, ser responsável por dar voz a uma geração, ego, depressão, drogas… nestas pessoas citadas acima vemos o quanto essas características podem se misturar. Então ponderamos porque uma pessoa pode se sentir solitária com tanta gente a seguindo em redes sociais, admirando e interagindo com ela após shows, abordando em locais públicos… A questão não é simples de explicar. Evidentemente as pessoas têm sua forma particular de agir e reagir, podem ter sofrido influência do ambiente vivido na infância/adolescência, podem ter passado por problemas familiares e por que não dizer também uma eventual fobia de um quarto de hotel para justificar uma solidão no meio de milhões?

Citemos dois casos que eu acompanhei o desdobramento dos fatos à época: Kurt Cobain e Amy Winehouse. Ambos se foram aos 27 anos, ambos viveram em lares quebrados e dispunham de um talento sui generis, cada qual à sua maneira. Artistas que saíram do ostracismo ao estrelato numa questão de (pouquíssimos) anos e não souberam ou não conseguiram lidar com o ônus. Mas o que precisamos saber é se eles realmente queriam esse ônus, se eles queriam esse estrelato, se eles preferiam o ostracismo em detrimento da fama… A proporção desequilibrada talvez seja o ponto pois a fama traz muito que você deseja mas o indesejável vem na mesma moeda, às vezes em proporções maiores… bem maiores.

Kurt Cobain, um garoto de uma cidade do interior do estado de Washington (Aberdeen), sofreu bastante impacto psicológico diante da separação de seus pais. Cresceu de casa em casa de parentes e amigos sem fixar um lar até que finalmente o conseguiu ao se juntar com sua namorada Tracy Marander, que supriu uma figura materna em sua vida em vários aspectos, sejam eles relacionados ao sustento, carinho e cuidados. A vida ainda era difícil, mas ela indiretamente ajudou a proporcionar o desenvolvimento do que o Nirvana se tornou em seguida. A popularidade foi chegando e também os hábitos, as companhias e claro, seu relacionamento com Courtney Love e as drogas mais pesadas. Talvez usadas como uma forma de socializar, de diminuir a dor (ditos seus problemas estomacais desde a infância), disfarçar a depressão… ou seja, tornou-se uma necessidade transformando-se em seguida uma dependência química. Seria esta uma “necessidade” de fato ou um clichê que o tornasse criativo como seus ídolos e seus mitos? Vários shows memoráveis e outros desastrosos, escândalos, overdoses e o fim da história todo mundo já sabe. É difícil imaginar o que passa na cabeça de alguém que almeja a fama mas a rejeita em seguida pela falta de privacidade que vem junto do sucesso. O comportamento que despreza o contato com seus fãs pode gerar um sentimento de antipatia onde eles normalmente consideram que são os responsáveis diretos pelo artista conquistar toda a pompa e o mínimo que eles desejam é atenção de seus ídolos. Um paradoxo, certamente, onde nunca saberemos quem tem razão.

Amy Winehouse nasceu na capital britânica em 1983. Tudo caminhava bem no desenrolar de sua breve carreira, seu talento era indiscutível e reverenciado por grandes estrelas da música – vide o espetacular dueto com Tony Bennett – até que em dado momento seu destino cruzou com Blake Fielder-Civil, um dito “rei do camarote” do circuito londrino que usava drogas da mesma forma que respiramos e abriu as portas para um caminho sem volta para Amy. Mas abrir as portas não significa que ela seja trancada ou que não possamos voltar pelo mesmo lugar. Todos os riscos eram conhecidos porém neste caso o sentimento de amor a cegou juntando com a tal “necessidade”, atingindo também a dependência química. Mesmo após a separação de Blake, o estrago já estava feito e ela também passou por situações desastrosas em shows, papparazzis a escoltando a cada passo e assim como Kurt, o epílogo da vida de Amy foi o mesmo de Kurt Cobain.

Estes foram resumos das trajetórias de duas personalidades da música que viraram mitos, possivelmente em meio a alguns clichês. Há algumas análises que podemos fazer para saber até que ponto há questões em que um indivíduo idealiza seu plano de vida com início, meio e fim por causa de um clichê. Ou seria por causa de algum mito? Eis a dúvida… Com o passar dos anos, os 27 anos de idade se banalizaram e não há mais idade certa para estes mitos e clichês, como as mortes recentes de Scott Weiland e Chris Cornell? E para você, quais os mitos e clichês da música? Lidar com a fama e seu preço? Ganhar dinheiro? Ser feliz no que se faz? Fazer o que te faz feliz? O que significa a palavra sucesso? Sucesso é um mito ou um clichê?

Na vitrola: Chuck Berry – “Maybellene”

Por Fellipe Madureira

2 comentários

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Eli

Parafraseando Renato Russo, “é tão estranho…os bons morrem jovens…” Parabéns pelo texto!

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Marcelo Dantas

Assunto difícil, controverso, o ser humano é complexo. Lidar com fama, idolatria, muito dinheiro, frustrações, drogas em muitas vezes, se torna uma pressão muito grande. Talvez seja importante ao longo da trajetória o artista tratar o psicológico pra buscar um equilíbrio e poder lidar com todas essas emoções ao mesmo tempo. Muitos querem chegar lá, mas só quem vive isso que sabe o quanto deve ser difícil. Tem uma faca de dois gumes que envolve a questão.

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